Jotabasso Entrevista: “Brasil está pronto para ser o maior produtor mundial de alimentos em bases sustentáveis”

Doutor em Agronomia destaca profissionalismo do produtor brasileiro, referência em preservação de recursos naturais

Na semana passada conversamos com o pesquisador Marcelo Augusto Boechat Morandi sobre como a conservação dos recursos naturais do país está ligada ao bom desempenho do agronegócio brasileiro (leia aqui).

Nesta semana, o mestre e doutor em Agronomia, atual chefe geral da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) Meio Ambiente, fala sobre as perspectivas de futuro para o setor e a relação da preservação dos ecossistemas com os avanços que o Brasil busca.

JB – É possível afirmar que propriedades que possuem mais certificações podem apresentar melhor desempenho em seus negócios? O cuidado com os recursos naturais pode significar ligação entre melhor gestão e eficiência produtiva?

É certo que melhor gestão traz ganhos em desempenho. Só conseguimos intervir e melhorar aquilo que conhecemos. Em geral, as certificações trazem esse benefício, de permitir melhor gestão do negócio.

O cuidado com os recursos naturais, feito de forma adequada e com base em boa gestão, melhora a eficiência produtiva. Sustentabilidade, por conceito, é dependente do equilíbrio sobre três pilares: eficiência econômica, responsabilidade social e proteção ambiental.

Portanto, essas três dimensões têm que caminhar juntas para o sucesso de qualquer negócio, mais ainda para o agronegócio, que é por sua natureza muito dependente de um meio ambiente saudável e equilibrado.

JB – O mercado e a sociedade de certa forma pressionam o agronegócio a assumir ações de sustentabilidade?

Sim. Como afirmou a executiva de mercado Tiffani Bova, “a principal ruptura no mercado não é a tecnologia, mas sim o consumidor”.

No recente estudo publicado pela Embrapa (Visão 2030 – O futuro da Agricultura Brasileira; disponível em https://www.embrapa.br/visao/o-futuro-da-agricultura-brasileira), o protagonismo do consumidor foi elencado como uma das megatendências que influenciam já no presente e certamente no futuro da agricultura brasileira.

O acelerado avanço das tecnologias da informação e de comunicação, com a proliferação das mídias sociais e plataformas digitais, está modificando radicalmente as relações entre empresas produtoras de alimentos e os consumidores. Maior acesso a computadores e celulares, internet de baixo custo e Wi-Fi estão propiciando aos consumidores grande acesso à informação e compartilhamento de experiências e avaliações de produtos e marcas, que ampliam seu poder na tomada de decisão no momento da compra.

Por este estudo, no Brasil, as mudanças indicadas pelos consumidores estipulam que a produção de alimentos precisa atender a distintos atributos: sensorialidade e prazer, saudabilidade e bem-estar, conveniência e praticidade, confiabilidade e qualidade e sustentabilidade e ética.

Portanto, a busca por produtos sustentáveis e saudáveis já é uma realidade, e aqueles que não se atentarem para isto vão perder mercado, tanto no Brasil como no exterior.

JB – Em 2016, a Embrapa Territorial calculou a ocupação com a produção agrícola brasileira em 7,8%. Em 2017, estudo da NASA demonstrou que o Brasil protege e preserva a vegetação nativa em mais de 66% de seu território e cultiva apenas 7,6% das terras. O que esses números representam do ponto de vista da conservação do meio ambiente?

É fato que há muita área com vegetação nativa preservada no Brasil. Os dados do projeto MapBiomas também mostram que o país tem 67% do território coberto por florestas e campos naturais. Mas não estamos sozinhos em termos de conservação no mundo: 70% da Rússia está coberta por vegetação nativa, incluindo uma área florestal quase do tamanho do Brasil. Há cerca de 30 países com mais de 60% de cobertura florestal, incluindo a Coreia do Sul, com 63%, a Suécia, com 67% e o Japão, com 68%. Mas, em clima tropical, somos uma potência em conservação, o que muito nos orgulha.

Por outro lado, o Brasil é o quarto maior produtor mundial de alimentos, ficando atrás de China, Índia e EUA. Temos a terceira maior extensão de terras sob produção agropecuária, atrás apenas de China e EUA. O MapBiomas mostra que o país tem hoje 245 milhões de hectares em pasto e lavoura. É 1,17 hectare de área produtiva por habitante, mais do que nos EUA (1 ha) e que a populosa China (0,34 ha).

Ainda segundo os dados do MapBiomas, cerca de 25% do Brasil está dentro de terras indígenas e unidades de conservação. São 216 milhões de hectares, excluindo as APAs, categoria de área protegida que permite produção e ocupação (o Distrito Federal tem 80% de seu território dentro de uma APA). Só que essas áreas protegidas estão muito mal distribuídas: 90% ficam na Amazônia, que concentra apenas 10% da produção agropecuária. Fora da Amazônia, apenas 5% do território está sob áreas protegidas. E é fora da Amazônia que ocorre 90% da produção agropecuária. Além disso, uma grande porção das áreas amazônicas protegidas está em regiões remotas ou sem aptidão agrícola. Em conclusão, o número de áreas protegidas parece impressionante, mas não compete com o agronegócio.

Temos que reconhecer que cometemos erros e acertos no passado. Como consequência, existem hoje no Brasil cerca de 50 milhões de hectares de pastagens degradadas. Mas, como já relatamos, possuímos tecnologia e conhecimento para tornar essa área produtiva e, assim, multiplicar a produção de alimentos, fibra e energia sem necessidade de avançar sobre qualquer vegetação nativa.

Portanto, há espaço no Brasil para ampliar a produção e a conservação. E reforço: produzir, crescer e preservar tem que ser uma relação ganha-ganha. O Brasil está pronto para ser o maior produtor mundial de alimentos em bases sustentáveis. Depende de como vamos usar todos esses recursos que temos. 

JB – Atualmente, quais os maiores desafios ou gargalo brasileiro para que os sistemas produtivos continuem tendo suas demandas supridas sem esquecer a necessidade de conservação?

A disponibilidade de recursos naturais, associada a políticas públicas, a competências técnico-científicas e ao empreendedorismo dos agricultores brasileiros foram fundamentais para esse desenvolvimento agrícola do País.

O Brasil continua investindo em processos de intensificação sustentável, com destaque para a produção de duas safras por ano em mesma área e para o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação à Mudança do Clima para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC), que incentiva o uso de tecnologias mais sustentáveis, tais como: recuperação de pastagens degradadas; integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF); sistemas agroflorestais, sistema de plantio direto (SPD), fixação biológica de nitrogênio (FBN); florestas plantadas e tratamento de dejetos animais. Outras políticas e ações também fortalecem a sustentabilidade do meio rural, como a Política Nacional de Biossegurança, o Código Florestal e o Cadastro Ambiental Rural.

Já provamos que produzir e preservar é possível. Em 2030 podemos ser o maior produtor mundial de alimentos e ao mesmo tempo ser um país com imensa área preservada, a maior do mundo tropical. Para isso, precisamos valorizar nossa produção, melhorar a imagem do país no cenário internacional e investir na diversificação dos nossos sistemas produtivos, no fortalecimento das nossas cadeias de valor, na viabilização de estratégias de pagamento por serviços ambientais e na formação profissional. Podemos e devemos zerar o desmatamento, acabar com a ocupação ilegal de terras públicas, defender nossas áreas protegidas e aprofundar os ganhos de produtividade.

O Brasil tem todos os elementos para ser o maior produtor mundial de alimentos em bases sustentáveis. A boa notícia é que podemos construir esse futuro da produção de alimentos. Está em nossas mãos: no espírito empreendedor e competitivo do agricultor brasileiro, na capacidade tecnológica e científica de nossas instituições e na natureza generosa e rica com que fomos agraciados.

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